terça-feira, 5 de março de 2024

O Vazio

"Somos seres desejantes, destinados à incompletude e é isso que nos faz caminhar". Jacques Lacan

Quando nos aceitamos como somos, quando nossas limitações deixam de ser um problema emocional, então as pessoas ao nosso redor perceberão que somos bem resolvidos conosco mesmo e isso atrairá boas pessoas para o nosso convívio. 

Nosso problema é que buscamos tapar essa falta interior, esse buraco na alma, essa incompletude com a presença de outra pessoa, mas essa solidão é só nossa e só nós mesmos podemos lidar com ela. 

Não existe alma gêmea. Não existe tampa da panela. 

Relacionamentos saudáveis são um desenvolver diário entre duas pessoas que estão comprometidas consigo mesmas e entre si. 

Nós fomos ensinados - pela literatura, pelas novelas, pelas músicas - que o amor é uma mágica que acontece e nos traz felicidade.

Ilusão. Enganação.

Estamos sempre indo de um lado para o outro procurando saciar os desejos da alma, buscando preencher o que nos falta por dentro.

Mas o amor é construção diária. Ambos precisam estar envolvidos nisso. 

Aprendemos a desenvolver o amor próprio focando nosso afeto em nós mesmos. Fazendo por nós aquilo que gostaríamos que alguém nos fizesse.

Ame-se. Mime-se. Presenteie-se. Valorize-se. 

Esse buraco de solidão é mais visível e mais sentido quando nos falta amor próprio.

Quando aprofundamos em autoconhecimento e em nossa consciência do amor que o Eterno tem nós, descobrimos que só Ele tem o que precisamos para ser feliz.

Qualquer outra pessoa não poderá nos fazer feliz. 

Mas Ele pode. O amor dele tem a forma e o tamanho de nosso vazio interior. 

Quando Ele for tudo para você, você perceberá que a outra pessoa já não faz tanta falta. Vai ser o momento em que ter ou não ter alguém ao seu lado, não vai mais ser o que define ou não a sua felicidade, pois você já estará feliz consigo mesmo e com sua alma preenchida pelo Eterno.


Lia Silva - julho de 2022


Somos Todos Errados!

O erro iguala os seres humanos, uma vez que todos nós erramos.

O que difere um indivíduo do outro é a forma como cada um lida com seus erros.

Os sábios reconhecem seus erros, admitem seus deslizes, conhecem seus limites e não tem medo de olhar para si mesmos a fim de retratarem-se e mudar de postura, crescer, evoluir, amadurecer.

Os incautos não reconhecem seus erros, recusam olhar para dentro e admitir suas fraquezas e deslizes. Seguem na vida acusando e culpando outros por seus erros. São arrogantes, orgulhosos, intratáveis e não evoluem.

Por isso Jesus nos convidou a andar com ele e imitá-lo. 

Quanto mais parecidos com ele nos tornamos, melhores seres humanos seremos. 

Não porque deixamos de errar, mas porque aprendemos a pedir perdão, a perdoar e melhorar a nós mesmos e aos nossos relacionamentos interpessoais. 


Lia Silva, abril de 2023

Páscoa

Na sexta-feira tem abandono, tem traição, tem tortura, tem dor, tem crucificação, tem morte.

No sábado tem o silêncio da sepultura, tem angústia, tem incerteza, tem escuridão de tumba. 

No domingo tem ressurreição, tem vida, tem recomeço, tem alegria, tem esperança.

Há que haver morte para que haja ressurreição.

Há que haver o silêncio do sepultamento para que renasça a manhã da nova vida. 

Há que haver esperança de que tudo tem seu tempo certo para acontecer. 

Deixe morrer em você o que precisa morrer.

Respeite o silêncio do sepultamento de suas dores e do passado.

Vibre e reviva com a alegria da ressurreição! 

O Domingo está chegando ... há esperança!


Lia Silva - Páscoa de 2023

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

 Ela foi mais uma dessas jovens noivas iludidas pela paixão. Naquele 30 de janeiro ela tinha 19 anos e meio. Era a própria Cinderela em seu momento de glória.

Seguindo o fluxo poderoso e impulsivo de todo jovem, ela também acreditava, de todo o coração, que poderia ‘mudar o mundo com seus moinhos de vento’. Tinha em si todos os sonhos, todas as certezas, toda a confiança que lhe fez encarar o desconhecido, a terra distante, o povo diferente. Ela carregava em seu jovem coração uma fantasia cheia de fé e grandezas.

Longe de casa, da família, dos amigos, dos costumes, da rotina, ela encarou um casamento com um estranho, alguém com quem – ela logo descobriu – não havia afinidade, sintonia, vínculo. Viviam em um lar comunitário entre missionários e sonhadores da fé alheia. Extasiada em sua fantasia que, embora desconhecida, era esperada, sorriu e chorou, aprendeu e desaprendeu, caiu e levantou-se, olhou para fora de si mesma pela primeira vez. Quando tornou a olhar para si, não gostou do que viu.

Viu os sonhos se desfazerem. O futuro, que parecia mais próximo, extinguiu-se languidamente. As ilusões se desfizeram. A fantasia tornou-se pesadelo. No ápice de seus 23 anos, viu-se ainda jovem, mas sozinha. O divórcio prematuro trouxe-lhe uma liberdade desconhecida. Em nova terra desconhecia, entre nova gente desconhecia, sem sonhos, sem desejos, sem ter para onde ir. O divórcio arrancara-lhe de vez a fantasia missionária.

Não perdeu a fé, mas não soube o que fazer com ela. Passou a viver um dia de cada vez. Sem fantasias, sem sonhos para perseguir, deixou-se ser levada pela vida. ‘Vida leva eu.’ Apaixonou-se novamente e desta vez pensou ser correspondida. Logo percebeu estar novamente enganada. Descobriu que a estrada do amor quase sempre é uma via de mão única.

Aos 30 anos, já na hora de ganhar maturidade, viu-se mais uma vez na estrada do amor e, desta vez, pensou estar em mão dupla. Tornou-se mãe. Cresceu. As fantasias eram recordações do passado. A maternidade levou-a a uma nova dimensão de amor e isso serviu para mostrar-lhe que a estrada do amor nunca é solitária, mas a do romance pode ser. Quase sempre é.

Vinte e cinco anos depois daquele 30 de janeiro, ela já não é uma jovenzinha sonhadora. O noivo que se casou com aquela jovem noiva já não está deste lado da vida. A noiva que já foi uma jovem sonhadora ainda sofre de ilusões fantasiosas. Não desistiu de esperar companhia na estrada do amor. Segue amando como consegue, tenta servir quem encontra pelo caminho, segue tendo fé (in)suficiente só pra hoje, sem sonhos megalomaníacos de querer salvar o mundo, basta a cada dia se deixar ser salva de si mesma e de seus delírios fantasiosos. A mulher de 44 tenta desesperadamente permanecer com os pés firmes no chão, com o coração teimosamente querendo descansar em quem pode, de fato, salvá-la. Com os pés no chão e os olhos na cruz, ela segue confiando que há um futuro com o qual sonhar e que esse sonho não é ilusão. É uma mania que ela tem: ter fé nos sonhos. Mesmo naqueles que nem os jovens cheios de força e desejo conseguem realizar.



Lia Silva
30/01/2024

Graça, escandalosa graça

 A Graça é escandalosa.

Fundamentalistas ficam desconcertados diante dela e só conseguem negá-la e atacar seus arautos.


 A Graça escandaliza porque oferece ao pecador aquilo que a meritocracia e a lógica humana não reconhecem.

É difícil aceitar de graça aquilo que a religião ensina que precisa ser conquistado pelo auto sacrifício.


Todo sacrifício necessário para nossa salvação foi cobrado de Cristo. Ele pagou.


Para nós, a salvação é pura Graça.


Lia Silva
Fev 2023

A dignidade da vida humana

A história da criação do mundo é a história da invenção da vida.
O “haja” do Criador estabeleceu a vida no Planeta Terra.
O ser humano foi criado e nele o Divino soprou vida.
Mas, a criatura não quis viver em paz com seu Criador. Almejou ser como o Criador, ser seu próprio deus e, assim, perdeu o direito à vida.
Não disposto a criar robôs servis, o Criador ofereceu autonomia e liberdade às suas criaturas, mesmo sabendo que a criatura usaria tal liberdade para rebelar-se contra Ele.
Imediatamente, “antes da fundação do mundo”, o Criador resolve esse impasse e entrega-se para morrer a morte no lugar da criatura rebelde.
Em Cristo, Deus veio ensinar que Ele é o doador e o mantenedor da vida. “Nele nós somos, nos movemos e existimos”, “sem Ele, nada do que foi feito, se fez”. Ele ensinou: “eu vim para que vocês tenham vida e vida em abundância”, “Ele nos resgatou da morte para a vida”.
Nesta perspectiva, tudo aquilo que atenta contra a vida e sua dignidade, atenta contra o Criador, ou seja, é pecado. Pecado deixa de ser um mero comportamento moral e passa a ser uma ruptura na essência do ser humano.
Quando decidimos pela vida e nos dedicamos a preservar sua dignidade, estamos, finalmente, fazendo a vontade de Deus, o Criador.
Qualquer atentado à dignidade da própria vida e à vida do outro precisa ser combatido. Zelar pela dignidade da vida humana é o que nos torna mais parecidos com Cristo.
Olhando para a história de vida dEle enquanto esteve entre nós, percebemos que todas as suas atitudes e serviço foram em prol da dignidade da vida humana.
Queremos ser humanos melhores?
Então precisamos nos 'cristificar' e nos tornarmos mais e mais humanos, resgatando toda a dignidade na vida daqueles que nos cercam.
Lia Silva - 26/02/2024

sábado, 4 de dezembro de 2021

Um relato tenso

Os três últimos dias foram de uma anormalidade sem precedentes em minha vida.

Momentos de terror e pacificação nunca experimentados antes.

Na noite de quinta-feira, meu filho e eu fomos participar de um jantar com amigos do coração e chegamos em casa por volta das 22h00. Ao parar na frente de casa para entrar no estacionamento, meu filho desceu para abrir o portão e, no mesmo instante, um carro apareceu das sombras e parou bruscamente atrás de mim. 

Fui rendida por 3 indivíduos, um deles armado, que me empurraram para dentro do portão que meu filho abria. Assustado, sem entender o que acontecia, ele gritou pelo nome da dona da casa que mora em frente à casa onde estamos morando. Ela apareceu e imediatamente foi também rendida. Nós três fomos empurrados para dentro da casa dela e colocados no quarto. Um dos indivíduos ficou na porta do quarto apontando a arma para nós enquanto os dois vasculhavam a casa da minha senhoria e levavam para o meu carro o que achavam que era de valor.

Foram uns 20 minutos de muito medo, vulnerabilidade, impotência e consciência da instabilidade da vida. Enquanto eu estava sentada olhando para aquela arma apontada, pensei que, a alguns minutos atrás eu estava sentada em uma roda com gente amada, rindo, conversando, comendo, comungando, e agora estava em uma situação tão surreal que parecia ficção.

Enquanto a dona da casa chorava muito e falava com preocupação sobre seus gatos que haviam fugido porque a porta ficara aberta, meu filho levantava a mão pedindo permissão ao indivíduo armado na porta do quarto para ir ao banheiro: “Agora não, moleque! Segura aí e fica quieto!”, foi a resposta firme.

Estranhamente, eu não entrei em pânico. Sentia medo pelos desdobramentos que eu sabia que aquilo poderia ter, mas preferi manter minha mente em conexão com Aquele que me conhece e cuida de mim. Mentalmente fiquei pedindo ao meu Pai por proteção e para que tudo acabasse bem.

Enfim, eles se deram por satisfeitos e foram embora levando meu carro, meu celular e muitos, muitos pertences da casa de minha senhoria. Deixaram o portão aberto e sem o cadeado, decerto na esperança de voltar mais tarde para levar a moto da outra inquilina que mora no mesmo terreno.

Chegara a hora de agir, era o momento de deixarmos de ser passivas. Chamamos os vizinhos, a polícia e eu fui com o carro da senhoria para uma delegacia prestar queixa. Foi quando eu cheguei lá que minha aparente calma terminou. Senti no corpo os efeitos da tensão com tremores, dores no estômago e boca seca; sentia vontade de chorar convulsivamente, mas não consegui.

Auxiliada pelos policiais, logo me recompus e eles me escoltaram até em casa com mais umas 4 ou 5 viaturas. Os vizinhos chegaram e os policiais ficaram em frente à nossa casa tentando rastrear meu celular para reaver o carro e os pertences da vizinha até mais de 3 horas da manhã. Ao ver os rostos de alguns meliantes no sistema da Polícia, conseguimos reconhecer o líder deles, que provavelmente era o único adulto entre os 3. Os outros 2 certamente eram menores – um deles sequer tirou a toca e máscara e só conseguimos ver seus olhos sombrios.

Não houve sono para nenhum de nós 3 naquela noite. A sexta-feira amanheceu e eu precisei ir resolver os problemas práticos da noite de ação. Cancelamento de cartões e contas, cancelamento de celular, acionar seguro do carro, ir à delegacia civil fazer o BO e etc.
A sexta-feira chegou ao fim bem sucedida. Consegui reaver meu número com outro chip e outro aparelho; consegui resolver o problema dos cartões e também pegar o carro extra na seguradora.

Enfim, tudo solucionado, corpo exausto, mente agitada, emoções em frangalho.

Chazinho de melissa e cama. Meu filho e eu dormimos, enfim. Até sermos acordados às 00:10 pelo telefone. Diziam ser da polícia militar e que estavam com meu carro. Eu deveria ir até uma comunidade carente em uma cidade próxima daqui porque o carro estava abandonado na rua.

E o medo de sair no portão 24h depois de ter sido abordada?

E se não fosse a polícia, mas um trote para uma emboscada?

Escoltada pelo pai do meu filho, fomos até o local e verificamos que era de fato a polícia e meu carro fora abandonado praticamente no meio da rua depois de terem assaltando outro veículo que transitava por ali. Os policias contaram que meu carro havia sido usado em pelo menos mais 3 assaltos e um deles tinha sido filmado.

Os policias nos escoltaram até a delegacia civil mais próxima onde um novo BO foi feito.

O carro estava inteiro, sem dano algum, com meio tanque de gasolina e muito sujo, com cheiro muito forte de fumaça. Escoltada até em casa novamente, já passava das 3h da manhã quando finalmente conseguimos dormir, sem, contudo, conseguir relaxar.

Nossas vidas foram poupadas. Não houve um desfecho trágico. Minha senhoria, mais do que eu, perdeu muitos bens materiais. Mas as sequelas emocionais estão muito vivas. Difícil andar na rua sem ter a sensação de estar sendo seguida; difícil sair no portão e não reviver o momento da abordagem. Entendo que não houve violência física contra nenhum de nós, no entanto, a situação em si é de uma violência emocional doentia. O medo de que possa acontecer de novo pode nos manter reféns. Ouvir um carro passando na frente da casa nos faz correr e esconder, mesmo sem saber do que se trata.

Meu filho, que está com 11 anos, fez o seguinte questionamento: “o que leva esses meninos a fazerem esse tipo de escolha na vida? Eles não sabem que isso não tem um futuro?”

Eu não sei responder pelas escolhas– ou falta delas – dos outros, mas sei que preciso escolher viver depois desse trauma. Viver com plenitude. Minha fé em Quem cuida de mim, precisa superar meus medos. Não sei explicar o porquê dos acontecimentos, mas sei que não estávamos sozinhos naquele quarto quando uma arma nos era apontada. Entendo que minha calma naquele momento se deu porque eu estava confiante em quem estava cuidando de nossa vida. A presença dEle é que me trouxe consolo e tranquilidade, mesmo sob a mira de uma arma.

Os anéis se foram. Os dedos ficaram.

Temos vida para seguir nessa luta proletária e para repor o que nos foi tirado. Há aqueles que passam por situações semelhantes que, sem muito esforço, conseguem repor os bens levados. Não nós. Lutamos e trabalhamos MUITO para ter o que temos e que nos é tomado em segundos. Os sentimentos de injustiça e de impotência diante da inevitável, dura e doentia realidade quer nos arrancar a esperança.

Sinto que preciso de um exercício de fé para manter acessa a chama de uma esperança. Não a esperança na humanidade, muito menos a esperança na justiça. Mas a Esperança da Vida. Ele é a minha esperança. Ele é o meu amanhã. É nele que preciso continuar enraizada para não ser engolida pelas atrocidades humanas.

Seguimos aqui firmes pela graça dEle, até que Ele venha!

 

O Vazio