sábado, 13 de novembro de 2021

O motorista Luz

Há alguns anos fiquei presa em um ônibus cruzando a cidade de São Paulo durante a hora do rush.  

O tráfego mal estava se movendo.  O ônibus estava cheio de pessoas frias e cansadas que estavam profundamente irritadas umas com as outras, com o próprio mundo. 

Dois homens latiram um para o outro sobre um empurrão que pode ou não ter sido intencional.  Uma mulher grávida subiu e ninguém lhe ofereceu um assento.  A raiva estava no ar. Nenhuma misericórdia seria encontrada ali.

Quando o ônibus se aproximou da avenida Paulista, o motorista pegou o interfone e anunciou:

“- Gente, eu sei que vocês tiveram um dia difícil e estão frustrados.  Não posso fazer nada sobre o clima ou o trânsito, mas aqui está o que posso fazer: quando cada um de vocês descer do ônibus, vou estender a minha mão e, enquanto você passa, coloque seus problemas na palma da minha mão, certo? Não leve seus problemas para casa ou para suas famílias esta noite, apenas deixe-os comigo.  Meu caminho passa direto pelo rio Tietê e quando eu passar por lá mais tarde, abrirei a janela e jogarei seus problemas na água.”


Foi como se um feitiço tivesse sido dissipado. 

Todos começaram a rir.  Os rostos brilharam de surpresa e deleite. 

Pessoas que vinham fingindo na última hora não perceberem a existência um do outro, de repente, estavam sorrindo um para o outro. “Esse cara está falando sério?”

Ele estava falando sério.

Na próxima parada, conforme prometido, o motorista estendeu a mão com a palma para cima e esperou. 

Um por um, todos os passageiros que saíam, colocaram suas mãos logo acima da dele e imitaram o gesto de deixar algo cair em sua palma. 

Algumas pessoas riram enquanto faziam isso, outras choravam, mas todas fizeram.

O motorista também repetiu o mesmo adorável ritual na próxima parada. 

E na próxima.

Em todo o caminho até o rio.

 

Vivemos em um mundo difícil, meus amigos. 

Às vezes, é extremamente difícil ser um ser humano. 

Às vezes, você tem um dia ruim. 

Às vezes, você tem um dia ruim que dura vários anos. 

Você luta e falha.

Você perde empregos, dinheiro, amigos, fé e amor.

Você testemunha eventos horríveis acontecendo no noticiário e fica com medo e retraído.

Há momentos em que tudo parece envolto em trevas. 

Você anseia pela luz, mas não sabe onde encontrá-la.

Mas, e se você for a luz? 

E se você for o próprio agente de iluminação que uma situação escura implora?

 Isso é o que este motorista de ônibus me ensinou, que qualquer um pode ser a luz, a qualquer momento. 

Esse cara não era um grande jogador de prestígio. 

Ele não era um líder espiritual. 

Ele não era um influenciador experiente nas mídias. 

Ele era um motorista de ônibus, um dos trabalhadores mais invisíveis da sociedade.  Mas ele possuía poder real e o usou lindamente para o benefício daqueles que o cercavam.

Quando a vida parece especialmente sombria ou quando me sinto particularmente impotente em face dos problemas do mundo, penso neste homem e me pergunto:

“O que posso fazer agora para ser a luz?”

Claro, eu não posso encerrar pessoalmente todas as guerras, ou resolver o aquecimento global, ou transformar pessoas irritantes em criaturas totalmente diferentes. 

Eu definitivamente não consigo controlar o tráfego. 

Mas eu tenho alguma influência sobre todos que encontro, mesmo que nunca falemos ou aprendamos o nome um do outro.

Não importa quem você seja, ou onde esteja, ou quão mundana ou difícil sua situação possa parecer, eu acredito que você pode iluminar o seu mundo. 

Na verdade, acredito que esta é a única maneira pela qual o mundo será iluminado, um brilhante ato de graça de cada vez, até o rio.

 


 Texto de Elizabeth Gilbert

Adaptado por Lia Silva

O Vazio