Os três últimos dias foram de uma anormalidade sem precedentes em minha vida.
Momentos de terror e pacificação nunca experimentados antes.
Na noite de quinta-feira, meu filho e eu fomos participar de um jantar com amigos do coração e chegamos em casa por volta das 22h00. Ao parar na frente de casa para entrar no estacionamento, meu filho desceu para abrir o portão e, no mesmo instante, um carro apareceu das sombras e parou bruscamente atrás de mim.
Fui rendida por 3 indivíduos, um deles armado, que me empurraram para dentro do portão que meu filho abria. Assustado, sem entender o que acontecia, ele gritou pelo nome da dona da casa que mora em frente à casa onde estamos morando. Ela apareceu e imediatamente foi também rendida. Nós três fomos empurrados para dentro da casa dela e colocados no quarto. Um dos indivíduos ficou na porta do quarto apontando a arma para nós enquanto os dois vasculhavam a casa da minha senhoria e levavam para o meu carro o que achavam que era de valor.
Foram uns 20 minutos de muito medo, vulnerabilidade, impotência e consciência da instabilidade da vida. Enquanto eu estava sentada olhando para aquela arma apontada, pensei que, a alguns minutos atrás eu estava sentada em uma roda com gente amada, rindo, conversando, comendo, comungando, e agora estava em uma situação tão surreal que parecia ficção.
Enquanto a dona da casa chorava muito e falava com
preocupação sobre seus gatos que haviam fugido porque a porta ficara aberta,
meu filho levantava a mão pedindo permissão ao indivíduo armado na porta do quarto
para ir ao banheiro: “Agora não, moleque! Segura aí e fica quieto!”, foi a resposta
firme.
Estranhamente, eu não entrei em pânico. Sentia medo pelos desdobramentos que eu sabia que aquilo poderia ter, mas preferi manter minha mente em conexão com Aquele que me conhece e cuida de mim. Mentalmente fiquei pedindo ao meu Pai por proteção e para que tudo acabasse bem.
Enfim, eles se deram por satisfeitos e foram embora levando meu carro, meu celular
e muitos, muitos pertences da casa de minha senhoria. Deixaram o portão aberto
e sem o cadeado, decerto na esperança de voltar mais tarde para levar a moto da
outra inquilina que mora no mesmo terreno.
Chegara a hora de agir, era o momento de deixarmos de ser
passivas. Chamamos os vizinhos, a polícia e eu fui com o carro da senhoria para
uma delegacia prestar queixa. Foi quando eu cheguei lá que minha aparente calma
terminou. Senti no corpo os efeitos da tensão com tremores, dores no estômago e
boca seca; sentia vontade de chorar convulsivamente, mas não consegui.
Auxiliada pelos policiais, logo me recompus e eles me
escoltaram até em casa com mais umas 4 ou 5 viaturas. Os vizinhos chegaram e os
policiais ficaram em frente à nossa casa tentando rastrear meu celular para
reaver o carro e os pertences da vizinha até mais de 3 horas da manhã. Ao ver
os rostos de alguns meliantes no sistema da Polícia, conseguimos reconhecer o
líder deles, que provavelmente era o único adulto entre os 3. Os outros 2
certamente eram menores – um deles sequer tirou a toca e máscara e só conseguimos
ver seus olhos sombrios.
Não houve sono para nenhum de nós 3 naquela noite. A sexta-feira
amanheceu e eu precisei ir resolver os problemas práticos da noite de ação. Cancelamento
de cartões e contas, cancelamento de celular, acionar seguro do carro, ir à
delegacia civil fazer o BO e etc.
A sexta-feira chegou ao fim bem sucedida. Consegui reaver meu número com outro
chip e outro aparelho; consegui resolver o problema dos cartões e também pegar
o carro extra na seguradora.
Enfim, tudo solucionado, corpo exausto, mente agitada,
emoções em frangalho.
Chazinho de melissa e cama. Meu filho e eu dormimos, enfim. Até
sermos acordados às 00:10 pelo telefone. Diziam ser da polícia militar e que
estavam com meu carro. Eu deveria ir até uma comunidade carente em uma cidade
próxima daqui porque o carro estava abandonado na rua.
E o medo de sair no portão 24h depois de ter sido abordada?
E se não fosse a polícia, mas um trote para uma emboscada?
Escoltada pelo pai do meu filho, fomos até o local e
verificamos que era de fato a polícia e meu carro fora abandonado praticamente
no meio da rua depois de terem assaltando outro veículo que transitava por ali.
Os policias contaram que meu carro havia sido usado em pelo menos mais 3 assaltos
e um deles tinha sido filmado.
Os policias nos escoltaram até a delegacia civil mais próxima
onde um novo BO foi feito.
O carro estava inteiro, sem dano algum, com meio tanque de gasolina
e muito sujo, com cheiro muito forte de fumaça. Escoltada até em casa
novamente, já passava das 3h da manhã quando finalmente conseguimos dormir, sem,
contudo, conseguir relaxar.
Nossas vidas foram poupadas. Não houve um desfecho trágico.
Minha senhoria, mais do que eu, perdeu muitos bens materiais. Mas as sequelas
emocionais estão muito vivas. Difícil andar na rua sem ter a sensação de estar
sendo seguida; difícil sair no portão e não reviver o momento da abordagem. Entendo
que não houve violência física contra nenhum de nós, no entanto, a situação em
si é de uma violência emocional doentia. O medo de que possa acontecer de novo pode
nos manter reféns. Ouvir um carro passando na frente da casa nos faz correr e
esconder, mesmo sem saber do que se trata.
Meu filho, que está com 11 anos, fez o seguinte questionamento:
“o que leva esses meninos a fazerem esse tipo de escolha na vida? Eles não sabem
que isso não tem um futuro?”
Eu não sei responder pelas escolhas– ou falta delas – dos
outros, mas sei que preciso escolher viver depois desse trauma. Viver com
plenitude. Minha fé em Quem cuida de mim, precisa superar meus medos. Não sei
explicar o porquê dos acontecimentos, mas sei que não estávamos sozinhos
naquele quarto quando uma arma nos era apontada. Entendo que minha calma
naquele momento se deu porque eu estava confiante em quem estava cuidando de
nossa vida. A presença dEle é que me trouxe consolo e tranquilidade, mesmo sob a
mira de uma arma.
Os anéis se foram. Os dedos ficaram.
Temos vida para seguir nessa luta proletária e para repor o
que nos foi tirado. Há aqueles que passam por situações semelhantes que, sem
muito esforço, conseguem repor os bens levados. Não nós. Lutamos e trabalhamos
MUITO para ter o que temos e que nos é tomado em segundos. Os sentimentos de injustiça
e de impotência diante da inevitável, dura e doentia realidade quer nos arrancar
a esperança.
Sinto que preciso de um exercício de fé para manter acessa a
chama de uma esperança. Não a esperança na humanidade, muito menos a esperança na
justiça. Mas a Esperança da Vida. Ele é a minha esperança. Ele é o meu amanhã. É
nele que preciso continuar enraizada para não ser engolida pelas atrocidades
humanas.
Seguimos aqui firmes pela graça dEle, até que Ele venha!