quinta-feira, 21 de maio de 2009

O pássaro e o gato

Era uma vez um pássaro que só tinha uma vida. Ele era feliz. Vivia voando de um lado para outro. Procurava seu alimento, cantava maravilhosamente e se divertia na praça onde vivia. O que ele mais gostava de fazer era encantar as crianças com seu canto. Elas paravam na praça para ouvi-lo e sorriam e corriam e pulavam e se alegravam com sua música. Os velhinhos que vinham à praça todos os dias ler o jornal ou jogar seu carteado, também amavam ouvir seu canto. À estes, a música do pássaro trazia doces lembranças. Memórias de uma infância no campo, de um silêncio quebrado pelos ruídos próprios da natureza. E assim o pequeno e frágil pássaro gastava seus dias: feliz a encantar todos.
Mas até mesmo um encantador passarinho tem seus inimigos. Não porque os mereça ou porque tenha feito algo para conquistá-los, apenas porque os inimigos existem e estão rondando por aí, esperando alguém a quem atacar. Também vivia naquela praça um gatinho abandonado. Ele nunca conheceu seus pais, nunca viu seus irmãos, tampouco sabe como foi parar ali. Tudo que sabe é que esta praça é seu mundo e nem todos que por ali passam são seus amigos. Ele precisa lutar para sobreviver. Nada vem de graça. Nem as migalhas dos pães das crianças ou os restos das pipocas dos vovôs. Vez ou outra, algumas solitárias senhoras passam por ali e deixam um punhado de ração no chão para o pobre gatinho. Mas isso, para ele, é uma humilhação: depender de velhas senhoras solitárias! Ele prefere encontrar sua própria comida. Conforme foi crescendo sozinho nas ruas, o gatinho foi aprendendo as manhas e as traquinagens para se safar e garantir ‘o pão nosso de cada dia’. Um dia assustava uma criança para pegar seu lanchinho, outro dia escalava o muro e a janela do vizinho para ter acesso à torta. Certo dia atacou um velhinho para comer a salsicha de seu cachorro quente. Tudo valia a pena para o bichano. Não apenas para satisfazer suas necessidades, mas pelo simples prazer de se sentir melhor e superior aos outros, mais esperto, talvez.
Há alguns dias o gatinho estava de olho em um passarinho, que insistia em cantar, cantar, cantar e encantar a todos que por ali passavam. Que raio de felicidade era essa? Tinha de dar um jeito de acabar com aquilo. Passou a manhã imaginando um meio eficaz de escalar a árvore e morder seu pescoçinho. Mas não precisou executar seu plano. Um lindo menino, de macacãozinho jeans e bonezinho xadrez que mal sabia falar, atraiu a atenção do inocente passarinho, que, inocente aos perigos que o gatuno oferecia, desceu aos ramos das folhagens rasteiras para se exibir à criança, quando em um único golpe, o gatinho acertou sua pescoço, cravou seus dentes através da penugem e sentiu em sua língua o último suspiro do dócil pássaro.
Imediatamente a criança iniciou um choro sem fim. O gato nem se importou com o humano emocionado. Seguiu com seu troféu entre os dentes, atravessou a rua, e, debaixo do arbusto, longe dos olhares curiosos, saboreou seu almoço, com orgulho, com alegria, com o contentamento que apenas os mais poderosos sentem quando destroem alguém que estava abaixo dele.
Mas o passarinho não estava acima do gato? Não era feliz e encantador? Não vivia voando alegre, contente por alegrar a vida dos humanos? Sim, o pássaro estava acima, em todos os sentidos. Mas mesmo os que nada devem, os que nada tem a temer, os que são bons e ordeiros, também chegarão ao fim. Todos se vão um dia. Assim como o gato também irá. É só uma questão de tempo. Bons e maus, felizes e amargurados, todos terão seu dia final. Uns antes, outros depois, mas todos irão. A felicidade do gatuno durará até o dia que um cão simples e educado, que por natureza, aprendeu a não gostar de gatos, aparecer pela praça e resolver que aquele será o último dia do gatinho amargurado.
Qualquer semelhança com a vida dos humanos, terá sido mera coincidência.

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