Longe de casa, da família, dos amigos, dos costumes, da rotina, ela encarou um casamento com um estranho, alguém com quem – ela logo descobriu – não havia afinidade, sintonia, vínculo. Viviam em um lar comunitário entre missionários e sonhadores da fé alheia. Extasiada em sua fantasia que, embora desconhecida, era esperada, sorriu e chorou, aprendeu e desaprendeu, caiu e levantou-se, olhou para fora de si mesma pela primeira vez. Quando tornou a olhar para si, não gostou do que viu.
Viu os sonhos se desfazerem. O futuro, que parecia mais próximo, extinguiu-se languidamente. As ilusões se desfizeram. A fantasia tornou-se pesadelo. No ápice de seus 23 anos, viu-se ainda jovem, mas sozinha. O divórcio prematuro trouxe-lhe uma liberdade desconhecida. Em nova terra desconhecia, entre nova gente desconhecia, sem sonhos, sem desejos, sem ter para onde ir. O divórcio arrancara-lhe de vez a fantasia missionária.
Não perdeu a fé, mas não soube o que fazer com ela. Passou a viver um dia de cada vez. Sem fantasias, sem sonhos para perseguir, deixou-se ser levada pela vida. ‘Vida leva eu.’ Apaixonou-se novamente e desta vez pensou ser correspondida. Logo percebeu estar novamente enganada. Descobriu que a estrada do amor quase sempre é uma via de mão única.
Aos 30 anos, já na hora de ganhar maturidade, viu-se mais uma vez na estrada do amor e, desta vez, pensou estar em mão dupla. Tornou-se mãe. Cresceu. As fantasias eram recordações do passado. A maternidade levou-a a uma nova dimensão de amor e isso serviu para mostrar-lhe que a estrada do amor nunca é solitária, mas a do romance pode ser. Quase sempre é.
Vinte e cinco anos depois daquele 30 de janeiro, ela já não é uma jovenzinha sonhadora. O noivo que se casou com aquela jovem noiva já não está deste lado da vida. A noiva que já foi uma jovem sonhadora ainda sofre de ilusões fantasiosas. Não desistiu de esperar companhia na estrada do amor. Segue amando como consegue, tenta servir quem encontra pelo caminho, segue tendo fé (in)suficiente só pra hoje, sem sonhos megalomaníacos de querer salvar o mundo, basta a cada dia se deixar ser salva de si mesma e de seus delírios fantasiosos. A mulher de 44 tenta desesperadamente permanecer com os pés firmes no chão, com o coração teimosamente querendo descansar em quem pode, de fato, salvá-la. Com os pés no chão e os olhos na cruz, ela segue confiando que há um futuro com o qual sonhar e que esse sonho não é ilusão. É uma mania que ela tem: ter fé nos sonhos. Mesmo naqueles que nem os jovens cheios de força e desejo conseguem realizar.
Lia Silva
30/01/2024
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