Faz já algum tempo que venho pensando na relação que é feita entre fé e emoções. Cheguei a rascunhar um texto sobre o assunto, mas não publiquei. Hoje o assunto voltou à tona quando assistia a uma aula online[1]. Então resolvi voltar ao meu texto e reescrevê-lo à luz do que acabo de ouvir.
O grande problema da maioria das crenças atuais repousa na introdução das pessoas crédulas à necessidade de terem sua fé validada na emoção e no sentimento. A fé acaba por ser vinculada à emocionalidade. O indivíduo entende que só é bom em sua crença se ele for capaz de se emocionar profundamente.
A fé só é validada se a pessoa for possuída de muita emoção. No início dá certo, mas logo vem a angústia porque não é todo mundo que consegue viver em estado emocionalizado por um longo tempo. Muitas pessoas acabam sofrendo certos transtornos psicológicos e podem acabar bipolares pela necessidade de forçar uma euforia intensa.
Alguns sistemas de crenças praticam ritos que induzem à emoção. Nestes ritos, as pessoas experimentam catarses treinadas, ou seja, sugestões emocionadas, ditos que induzem à emocionalidade. Acaba se tornando uma intensa busca de validação emocional para dizer que tal indivíduo está bem naquela crença. Tais catarses treinadas são vistas como fé.
Especificamente entre os cristãos pentecostais não vemos exatamente um rito de indução à catarse, mas há uma ambiência para os cultos com gritos, cria-se um clima específico, usa-se jargões, e há uma orquestração poderosa. Alguém fala em línguas, outro profetiza, outros glorificam em alta voz. Esta é uma orquestração indutora para a emocionalização.
Porém, isso também tem um limite. O cérebro não consegue
viver neste estado durante muito tempo. É como no estado apaixonado, vive-se
assim por um ano ou pouco mais, mas logo passa, e o cérebro não aguenta existir
sob essa opressão das emoções. O cérebro começa a se retrair para acalmar-se e
conseguir seguir mais pacificamente.
Quanto mais a pessoa demonstrar tais emoções publicamente –
falar em língua, chorar, gritar, suar, rodopiar - mais ela será considerada
espiritual, piedosa, santificada, cheia de fé. Se o crente não fazer isso ou
aquilo, é porque não crê. Mas, e quando a emoção começa a falhar? Então começa
a teatralização dos sentimentos forjados e falsificados.
Portanto, é possível verificar que, em um ambiente de fé de
natureza cristã, há pelo menos 3 níveis de classificação dessa fé emotiva:
1) Crenças/credo e doutrina – mais praticado pelos
reformados que conhecem bem seus credos e chamam isso de ‘minha fé’. Mesmo que
seja um conhecimento raso, só de decoreba das doutrinas a serem seguidas, a
simples repetição desses credos racionais tornar-se a “fé” deles.
2) Crenças e ritos – A prática do rito gera a
emocionalização. De modo geral, os cristãos gostam da emoção da fé, de sentir a
fé – “olha como tô arrepiado”. O rito induz bastante ao emocional e a pessoa
vai embora daquela reunião/culto/missa dizendo que “sentiu Deus”. As crenças
religiosas tem esse viés de quererem sentir a divindade.
3) Grupos de crentes de catarses induzidas – são grupos
pentecostais onde o Espírito Santo só se manifesta se o crente for derrubado.
As pessoas começam a rodopiar, entram em um giro espiritual até serem
supostamente possuídas pelo Espirito Santo e então caem, e outros ao seu redor vão
também caindo. É um estado de catarse induzida delirante. Tais indivíduos se
levantam dali dizendo que foram ‘visitadas pelo Espirito Santo’. Outros que buscam
apenas sensações e emoções mudam de um grupo para outro, para ir renovando as
sensações.
Para essas pessoas, a relação entre Deus e fé são carregadas
de expectativas diversas que vão da riqueza à proteção contra qualquer forma de
catástrofe; são crenças praticadas para servir como apólices de seguro, de
saúde, de riquezas, e isso implica na validação da fé por meio da emoção. A fé destes
coloca Deus em uma situação de devedor ao que crê, assim, o crente exige de Deus
determinadas bênçãos porque tem fé nele.
O que de fato acontece é que quando chega a hora do desconforto e da angústia, quando já não tem mais emoção positiva, então vem a frustração e até o ateísmo. Pois, se o indivíduo busca sentir Deus, mas já não o sente, logo, Deus não existe, ou não está mais interessado em se manifestar.
Para tais pessoas, Deus só é Deus quando é emoção vivenciada.
Mas quando chega a hora do desconforto, da doença sem cura, do sofrimento
indizível, da falência, então começa a angústia pela validação da crença. Tal
crente precisa que aquele conjunto de crenças que ele pratica – aquele dízimo,
aquela oferta, aquela frequência aos cultos, aquele coral e escola bíblica onde
ele não falta - tudo isso precisa ser validado pelo sentimento; e quando não há
mais este sentimento, então a vida do indivíduo se arrebenta. Neste momento se
manifesta um dos maiores desesperos para alma cristã ocidental e de experiência
pentecostal.
Em um sistema de crenças baseado em emoções que são passageiras,
a fé não se sustenta quando chega a hora do esmagamento absoluto. O cérebro do
indivíduo já não consegue mais entrar em catarse indutiva alguma, a pessoa não
encontra Deus em lugar algum e sem a sensação e a emoção, torna-se enlouquecido.
Esse deus como sensação e emoção se transforma no poder mais enlouquecedor que
podemos conhecer. É por isso que 70% dos pacientes de clínicas psiquiátricas
são pessoas vinculadas às igrejas que incitam à fortes emoções e criam a correlação
entre deus-sentimento-emoção. Não tem alma que aguente.
A fé segundo o Evangelho de Jesus:
O Evangelho não é um sistema de crenças.
O Evangelho é um caminho de consciência.
Evangelho é amor que pratica justiça, que promove paz, que
perdoa os arrependidos.
O Evangelho é não julgar os outros, muito menos segundo a
aparência, é busca de discernimento silencioso para ser objeto de prática de
sabedoria nas relações humanas.
O Evangelho é marcado por sinceridade e sem hipocrisia, com discrição,
sem histeria, sem manifestações gritantes, mas também não é silencioso, ele tem
um tom pacificado de relação humana.
Tem alegria, mas não é feito de algazarra; oferece um culto
racional ao mesmo tempo em que não busca emoções, mas também não foge delas.
Não fica procurando por emoções e nem por sensações, mas não
tem medo de manifestá-las. Jesus chorou, riu, gargalhou.
O evangelho não é um sistema de crenças que ensina que se
você juntar uma emoção com outra, ou com isso e aquilo, o resultado será fogo. No
Evangelho não existe sistema de nada, é só um compartilhar de vida e alegria.
No Evangelho se crê que Deus é livre e soberano para
manifestar o que Ele quiser e quando Ele desejar. De modo que se alguém fala em
línguas ou tem visões, isso virá naturalmente e não será fruto de um buscar
emotivo.
O Evangelho não é um sistema de crenças mágicas, mas é um
caminho de consciência de verdade e de vida, é espiritualidade e não se
alimenta de emoções.
Evangelho é amor com suas manifestações de verdade e de
justiça, de bondade, longanimidade, mansidão, domínio próprio, fidelidade,
discrição, alegria na simplicidade, espontaneidade na doação, alegria de ter na
generosidade um galardão.
Essa fé segundo Jesus se manifesta nestas práticas e obras,
é a conexão com o impossível. Em Lucas
1:17 jesus estava falando da salvação quando mencionou que tudo é possível para
Deus. A graça, a salvação, a fé genuína em Jesus me conecta a toda sorte de
bênçãos nas regiões celestiais em Cristo – me conecta ao impossível, me faz
andar dentro dessa coisa estranha que só compreendemos depois, mas que é o desafio
de Jesus para nós: experimentar a conexão com o impossível.
Até mesmo para experimentar a certeza da salvação eu preciso
ter uma conexão com o impossível. Pois, como é que um ser como eu pode vir a
experimentar toda a glória de Deus e me tornar coerdeiro dele em Cristo? Para
acreditar nisso, é necessário ter essa loucura de se tornar capaz de crer pela
fé. Uma fé que é a certeza de coisas que não se veem e convicção de coisas que
se esperam pela fé.
Uma fé que não é emoção e nem sentimento, que se baseia em
sensações e emotividades, mas é fé na fidelidade de Deus. As coisas são maiores
do que eu, mas eu ando guiado por uma fé-certeza (Hebreus 11:1).
Toda narrativa da escritura é sobre a fé que nos coloca conectado com o que está para além do imediato, e isso não acontece por meio de emoção ou sentimento, acontece por meio de certezas das coisas que se esperam, de convicção. Nada tem a ver com emoção, com sentimentos ou falta deles. É crer na palavra de Deus, e a palavra de Deus é Jesus. Jesus é a única palavra pura e absoluta de Deus para todos os homens e todas as consciências.
Características da fé segundo Jesus Cristo:
1) A fé segundo Jesus é uma fé feita de não-dúvida. A fé é um dom de Deus, é graça. Todos podemos ter fé, mas há aqueles com níveis diferentes de fé. Há quem desfrute de uma fé que cresceu para além da dúvida. Jesus nos exortou para crermos e não duvidarmos. Ele questionou seus discípulos: ‘homens de pequena fé, por que duvidastes?’ Em Jesus, não há estímulo para a dúvida. Existe, sim, paciência com o nível de maturidade de cada um. A dúvida é para ser vencida. A fé é certeza. Somos gente do impossível. Nós que cremos devemos não duvidar, precisamos olhar para a vida sem dúvidas, mesmo que não a entendamos. Preciso ser uma pessoa em quem a dúvida foi vencida. É uma fé que só acontece para além dos sentimentos e das emoções. Se eu me emocionalizar, então as dúvidas surgirão. O coração é traiçoeiro, a emoção é volúvel, é como as ondas do mar que vão e vem e, nesse balanço das emoções, as dúvidas são criadas. Mas podemos crescer para viver para além da dúvida. Isso acontece quando não achamos que temos o mérito de entender todas as coisas da existência. Faz parte da minha fé não entender a existência e crer no amor de Deus para comigo mesmo quando não sei e não entendo nada. E, verdade seja dita, nós não sabemos e não entendemos nada o tempo todo. Viver com confiança não é viver de maneira burra. Eu continuo analisando, sou crítico, sou racional, sou ponderado. Mas não tenho medo e nem dúvida e faço minhas ponderações sempre tendo convicção de que conto com a ajuda sobrenatural de Deus sobre mim. Eu vou me habituando ao impossível, vou me habituando a viver sem dúvida e com convicção e certeza... com emoção ou sem emoção, tanto faz, porque EU SEI.
mentalização, é o silêncio confiante e pacificado.
[1]
Aula ministrada por Caio Fabio d’Araujo Filho em curso online sobre “Como
vencer o Medo”. Link não disponível atualmente.