quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

As Galinhas Pretas de Minha Vida

Por volta dos quatro anos, tive o meu primeiro animalzinho de estimação do qual me recordo. Era uma das muitas galinhas que meus pais criavam no quintal da casa onde morávamos. Havia algumas galinhas brancas, outras douradas e uma preta. Essa era a minha galinha preferida. Uma galinha preta. Eu gostava dela porque ela era diferente das outras, ela se destacava de todas por suas lindas penas negras. Eu não me recordo ao certo como eu demonstrava meu carinho por ela, lembro-me apenas do sentimento.
É provável que eu andasse atrás dela pelo quintal, seguisse-a, tocasse-a e até pegasse-a no colo, ou pelo menos tentasse pegá-la. Eu gostava dela. Gostava mais porque ela era diferente. Ainda conservo meu gosto pelo diferente.
Durante o dia, as galinhas todas ficavam soltas no vasto quintal. No final da tarde, meu pai as conduzia de volta ao galinheiro. A casa em que morávamos era grande, de madeira pintada de amarelo, bem no centro da pequenina cidade do interior gaúcho. Era uma casa antiga, de modelo italiano, como muitas outras na cidade. Havia vários cômodos de teto alto, e um porão assustador. Metade deste porão não era habitável, por isso parecia tão assustador para uma menininha de quatro anos. Lembro-me do chão de terra batida, das rochas encravadas nas paredes, do cheiro mofo de terra úmida e do poço negro e sem fim. Aterrorizante. Mas eu gostava de entrar lá sorrateiramente e ficar analisando as paredes com barro, a penumbra escura me fazia acreditar em fantasmas e demônios ali presentes. Alguns anos depois aquela parte do porão foi transformada e se tornou em um quarto grande e arejado, onde minha tia passou a morar. Uma transformação incrível.
Mas voltemos à galinha. Um dia a galinha preta sumiu. No dia seguinte, ela não apareceu. Não sei quem primeiro descobriu seu paradeiro. O fato é que minha galinha preta que sumira fora descoberta dentro do poço sem fundo. Não lembro quanto tempo ela ficou desaparecida. A coitadinha caíra no poço, morrera afogada e eu não pude socorrê-la. Como eu pude ser tão negligente com meu bichinho de estimação? Será que se de fato eu a tivesse seguido por todo os lados teria salvado-a?
Hoje sei que não. No decorrer da minha vida perdi outras queridas ‘galinhas pretas’. Nem todas por morte. Algumas simplesmente se foram e nada pude fazer. Entendo que não importa o quanto você preze ou ame suas ‘galinhas de estimação’, um dia elas vão embora. Um dia você as perde de vista e não consegue acompanhá-las nem mesmo se souber para onde vão.
Mesmo tendo perdido tragicamente minha primeira amiguinha, ainda posso me lembrar do sentimento que eu tinha por ela. Ainda posso ver suas penas negras reluzindo ao sol. Ela se foi, mas um pedaço dela ficou comigo, bem marcado no poço profundo do meu coração, que ainda comporta outras lembranças e marcas de todas as ‘galinhas pretas’ que passaram em minha vida.
O escuro porão passou a me aterrorizar ainda mais após a morte da galinha. Eu imaginava que a qualquer momento, a galinha saltaria das paredes úmidas de terra para vingar sua morte. Eu teria de prestar contas por sua segurança, pois eu falhara. Mesmo quando estava mais velha, e o porão já era um quarto aconchegante, eu o evitava, porque a lembrança da morte me perseguia e torturava.
Há poços tão profundos em nossa alma, que mesmo com os anos passando não nos permitem enxergar seu fundo. Existem sentimentos sobre os quais, o melhor a se fazer é evitá-los, ignorá-los. Esquecer, se possível. O melhor mesmo, é destruir o poço, construir um quarto habitável no lugar e enchê-lo de novas e dóceis ‘galinhas pretas’, sem fantasmas.

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