Lia Silva – ag/2008
Os meninos de rua estão sempre nos semáforos, pedindo esperançosos: ‘só uma moedinha, tia’. Mas aquele pequenino e magro não vai ao farol. Ele senta na calçada, encolhido, com a camiseta suja esticada sobre as pernas, na esperança de se proteger do frio. Com os olhos fundos, os lábios trêmulos e roxos, ele direciona o olhar triste conjugado às palavras com voz fraca: ‘Dá uma moeda, tia?’. O lugar escolhido é estratégico. Pelo menos metade dos alunos do noturno passam naquele ponto da calçada. São cerca de 5 mil alunos naquele turno. O garoto repete perto de 2.500 vezes a mesma coisa toda noite. Não sei dizer quantos param para lhe dar atenção. Nunca vi ninguém ajudando-o. Também não sei dizer quantas vezes antes ele já havia pedido minha ajuda. A primeira vez que o percebi, preferi ignorar. Passei reto, rapidamente adiante. Estava frio, eu trazia ambas as mãos no bolso do casaco, onde segurava um bolinho para a hora do intervalo, quando a fome apertava. Depois de haver passado por ele é que me dei conta que ele havia falado comigo. Foi nos meus olhos que ele cravou seu olhar triste, foi para os meus ouvidos que sua voz fraca se dirigiu: ‘dá uma moeda, tia?’ Mas eu ignorei. Do outro lado da calçada senti meu coração apertar. Ouvi a doce voz do Espírito Santo: “O que você fez, filha? É só uma criança com fome e frio. Volta lá e dá ao menos este bolinho em seu bolso pra ele.’ A minha dura alma não tardou a reagir: “Voltar lá? De jeito nenhum! Imagina que mico: voltar na contramão desta multidão de universitários para falar com um moleque sujo, sentado no chão? Não.” Continuei a caminhar adiante, sempre adiante, resistente aos sentimentos que se instalavam. Que vergonha de mim mesma. Onde foi que eu perdi o amor? Onde está a compaixão? E se Deus tivesse feito o mesmo comigo? Eu sou aquela criança pobre, desprotegida, com frio e fome, dependente do olhar compassivo e misericordioso do Senhor. Ele me olha diariamente, ele provê tudo para mim, dia após dia. Na noite seguinte, o menino está lá novamente e novamente se dirige especificamente a mim, como se quisesse me dar a oportunidade de me redimir: ‘dá uma moeda, tia?’ Parei. Olhei em seus olhos. Coloquei minha mão sobre sua cabeça. A multidão continua passando frenética. ‘- A tia não tem moeda, filho, mas tem um bolinho. Você quer?” “-Sim, obrigado.” E rapidamente, antes que qualquer contratempo levasse seu bolinho embora, ele o agarra e esconde em sua camiseta. Eu dou-lhe um sorriso e continuo meu caminho. Satisfeita? Não. Muito mais seria necessário que um bolinho para resolver seu problema. Mas como veterana do Terceiro Setor, eu sabia que as coisas não era tão simples assim. Mas eu já não estava mais indiferente. Ver minha própria condição diante de Deus abriu meu coração novamente. Agora oro para que todo cristão se veja na real situação diante de Deus. Que se reconheça uma criança desamparada e dependente da benevolência divina para viver. Deus não é como os estudantes universitários que passamos adiante, sem perceber quem fica para trás pedindo socorro.
“Então, Jesus lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.” Evangelho de Mateus 25:45.
Acredito que a vida é um eterno compartilhar. Compartilhamos amizades, amores, lágrimas, sorrisos e aquilo que somente nós sabemos existir em nós. Neste blog está um pedacinho de mim. Um pouco daquilo que acredito, sonho, sofro e desejo. Você é bem vindo a este compartilhar!
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Uma mulher como essa, inteligente e sensível à bessa!
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